Crônica - Uma paixão chamada leitura! “Eu era proibida de ler em casa”

 A saudade de escrever me fez vir até aqui para contar a minha história literária, e prometo que será uma história divertida e diferente (e essencialmente real).

Nasci no interior de Minas, no Vale do Jequitinhonha, em uma cidadezinha pouca conhecida, mas que tinha um pouco mais de 30 mil habitantes. Para alguns não é tão pequena assim. Nesse cantinho do interior não havia uma livraria ou banca, e os fretes das compras pela internet eram excessivamente altos. Então, muitos só podiam recorrer à biblioteca municipal, que era pequena, simples, mas cheia de histórias que nos aguardavam nas prateleiras.

Imagem cedida por Freepik.com

Conheci essa biblioteca quando estava no primeiro ano do ensino fundamental e nossa professora levou a turma inteira para visitar e já fazer o cadastro para pegar livros. Desde então, eu ia toda semana à biblioteca, sempre pegando mais de um livro e voltando na outra semana para pegar mais. Lembro-me de quando li os contos dos irmãos Grimm pela primeira vez e fiquei extremamente encantada, eu literalmente pude experimentar o poder de viajar por meio da leitura, e até hoje tenho vontade de lê-los novamente.

Aos 10 anos, eu já havia lido O Pequeno Príncipe. Não entendi nada, é claro. Recordo-me que gostava de olhar as prateleiras para escolher o que iria levar para a casa daquela vez, e teve um dia que eu estava na seção “adulta”, curiosa sobre aquelas capas de casais, e a bibliotecária brigou comigo que aqueles não eram livros que eu podia ler. Coincidência, ou não, um dos meus estilos literários favoritos atualmente é Hot.

Então, desde a infância eu já era uma leitora assídua, amava ler e estudar, tirar boas notas e vivenciar muitas aventuras com a leitura, mas devo lembrar que a minha realidade não era a mais propícia para uma garotinha que gostava de ler. Em uma cidade do interior, não era culturalmente comum ler por prazer, hobby, ou passar o tempo. Era mais fácil ver garotas em casa ajudando suas mães do que com um livro na mão. Eu não conhecia e não tinha amigas que gostassem de ler, e foi essa realidade que afetou muito a minha história.

Minha família sempre foi muito humilde. Os meus pais, com sete filhos, não tinham condições de atender aos nossos gostos ou desejos. E em uma família grande, a quantidade de serviço era maior. Minha mãe sempre foi dona de casa e constantemente havia um ou dois parentes que moravam com a gente, por não ter outro lugar para ficar. Então, uma casa com uma família grande ficava ainda mais recheada de pessoas todos os dias.

Cabia a nós garotas, por sermos as mulheres, realizarmos os serviços do lar. Ajudávamos mamãe na horta, na cozinha, arrumar casa, lavar roupa etc. E quando sobrava tempo, queríamos nos divertir à nossa maneira, fazer panelinhas de barro, subir nas árvores do quintal, fazer guerra de mamonas, brincar de casinha e boneca com as frutas e verduras que tinham na horta, entre outras coisas.

Foi uma infância simples, mas feliz. Contudo, as prioridades sempre eram os serviços domésticos — tratar as galinhas ou as outras criações que havia, ajudar a fazer quitanda (para nós e para as pessoas que pagavam minha mãe para fazer), buscar lenha etc.

Então, com o tempo, a leitura foi ficando de lado e eu não ia mais à biblioteca.  As minhas aventuras em outros mundos deixaram de existir, mas devo lembrá-los que eu amava ler e tinha uma capacidade de começar um livro e não conseguir mais parar. Então, durante a minha adolescência, fui fazendo amizades que tinham livros em casa — eu achava isso sensacional, pessoas que podiam comprar ou obter um livro. E foi assim que, pegando livros emprestados das minhas amigas, voltei a ler. Graças a isso, uma dessas pessoas é minha amiga até hoje e continuamos nos emprestando livros, cobiçando personagens e nos apaixonando por histórias.

Eu sempre pegava os livros dela, às vezes ela nem tinha lido.

Só que eu não era mais uma criança, era uma garota que tinha mais obrigações para ajudar a mãe em casa — e para ela isso era prioridade. A minha mãe não gostava de me ver lendo, ela sempre brigava e ameaçava queimar o livro, porque eu tinha que ajudá-la e o serviço não acabava.

Eu era proibida de ler em casa, e isso só deixava as coisas emocionantes: “o proibido é mais gostoso”.  E, com isso, eu arrumava ideias criativas para conseguir ler, sem que a minha mãe percebesse: lia durante a noite usando a lanterna e escondia o livro debaixo da cama, ia para o banheiro e levava o livro escondido na roupa, lia na escola durante os intervalos e até mesmo na aula (minha professora de Português brigava comigo por ler na aula dela, irônico não?), lia dentro do ônibus quando ia viajar — essa última, infelizmente, não deu muito certo, porque eu passei mal e vomitei… no livro. Felizmente, ele sobreviveu ao ocorrido.

E como eu disse, quando começava um livro não conseguia mais parar e, com isso, a minha mãe sentia minha falta e ia atrás de mim com ameaças de que se me encontrasse com um livro, iria rasgá-lo ao meio e queimar. Eu morria de medo, porque os livros não eram meus.

Teve uma vez — essa foi a que mais me marcou — que minha mãe estava me chamando e eu estava no banheiro lendo, ela esmurrava a porta com muitas ameaças e eu fiquei desesperada, porque não tinha onde esconder o livro. Minha mãe falou que era para eu abrir a porta e que se eu tivesse com um livro ela iria queimar. Daquela vez, eu não duvidei nenhum pouco que ela faria isso — o que só aumentava o meu medo. Na minha agonia, coloquei o livro debaixo da lata de lixo. É, foi isso mesmo. A lata era branca, então, mesmo que ela olhasse atentamente para baixo, ela não veria o livro. Abri a porta e minha mãe entrou, vasculhou cada centímetro do banheiro e a mim também para ver se não estava escondido na minha roupa. Felizmente, ela não achou o livro no meu esconderijo secreto. Nunca fiquei tão aliviada. Eu morria de medo dela achar e também me apavorava ter que colocar o livro debaixo de uma lixeira, não era um local muito higiênico. O livro era “A última música”, de Nicholas Sparks.

Desde essa época, um dos meus sonhos era ter meus próprios livros. Fantasiava com a “eu” adulta na minha casa e com um cômodo que seria a minha biblioteca. Ainda tenho somente 24 aninhos, mas já sou feliz por ter meus próprios livros, ler muitas histórias e a minha lista de adquiridos, e também os que quero ler, só vai crescendo. Não sei se foi a influência da leitura, mas me tornei uma jornalista, uma “escritora”.

E, hoje, a minha mãe já não fala mais nada ao me ver ler, ela já se acostumou que esse é o meu jeitinho e que também não sou a única filha assim.

Este texto é uma de autoria de Vaniele Simão e retrata aspectos reais de sua vida. Foi publicado originalmente literalmenteuai.com.br.

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